Após a licença maternidade, Adriana Teles retornou ao trabalho e recebeu uma triste notícia: seu nome estava na lista de funcionários que seriam demitidos da empresa. Assim como ela, outras tantas mulheres são dispensadas do emprego após terem filhos. Para se ter ideia, uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que, depois de 24 meses da volta da licença maternidade, cerca de metade das mulheres sai do mercado de trabalho.
O estudo revelou, ainda, que a maior parte das demissões se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador. Um outro levantamento comprovou que as mães ganham salários menores e têm menos oportunidades de ascensão profissional em relação a homens ou mulheres sem filhos.
Para a pesquisadora na área de equilíbrio trabalho-família para mães do Family Talks, Letícia Barbano, apesar dos esforços do mercado de trabalho em buscar a diversidade com a inclusão de mais mulheres nos quadros de colaboradores, o que é um avanço no tema da equidade de gênero, é preciso uma análise além da inclusão feminina e ter um olhar mais atento para incluir as mães. “Todo esse cenário aponta que é preciso uma cultura nas empresas que olhe para esse público e não o penalize.”, diz.
Letícia é doutoranda em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e sua pesquisa busca investigar quais são as dificuldades e potencialidades de readaptação no trabalho após o retorno da licença maternidade e como as empresas podem auxiliar mães trabalhadoras nesta readaptação laboral. Atualmente, seu estudo está em fase de coleta de dados.
No mês dedicado às mulheres, Letícia fala quais são os fatores que levam as mães a serem demitidas com mais frequência e o que é preciso fazer para mudar esse cenário.
Por quais razões o mercado ainda demite tantas mulheres após a licença maternidade?
Na economia que vivemos, o lucro e as coisas vêm antes das pessoas. Muitas mães precisam de apoio quando voltam da licença maternidade, tanto para se readequar à nova vida com um novo filho, quanto para ressignificar ou se readaptar ao trabalho que tinham. É um processo. Nossa cultura individualista tem dificuldade em entender e acolher uma mãe, pois a lógica da maternidade é o oposto do individualismo. Neste ínterim, muitas deixam o mercado de trabalho ou são demitidas, simplesmente porque escolheram gerar uma vida. O mais curioso é que uma mulher precisa de uma rede de apoio quando se torna mãe, mas a sociedade também precisa das mães, pois sem elas não temos pessoas, e sem pessoas não temos sociedade – nem força de trabalho.
Qual o impacto dessas demissões para o contexto familiar?
A falta de uma cultura social e empresarial que seja “mother friendly” contribui para que mais mulheres saiam do mercado de trabalho formal. As consequências são diversas: muitas delas resolvem ir para a informalidade (e acabam não saindo dali), outras deixam de trabalhar e passam a depender exclusivamente da renda do marido, outras ainda escolhem não ter filhos (ou têm menos filhos do que gostariam). Todo esse contexto reforça mais ainda a desigualdade de gênero na sociedade.
Você acha que é possível mudar a mentalidade do mercado para acolher melhor os profissionais que querem formar uma família?
Com toda a certeza! Mas precisamos, primeiro, ter uma mentalidade mais voltada para as pessoas e menos para o lucro. O lucro vai ser uma consequência do cuidado com as pessoas, não o contrário. Há empresas que conhecemos que priorizam essa humanização das relações trabalhistas, que enxergam primeiro o colaborador, depois a empresa. São locais que estavam com faturamentos altíssimos mesmo durante a pandemia, onde tantas organizações fecharam.
As mães que continuam empregadas: como o mercado trata esse grupo?
No meu mestrado coletei várias informações sobre mães trabalhadoras e muitos relatos traziam constantes discriminações e preconceitos. As empresas acham que mães não dão conta do recado, ou que ter um filho vai demandar atenção dividida. Infelizmente, ainda reina no mercado um modelo de “trabalhador ideal” que é o sujeito dedicado em tempo integral ao trabalho produtivo. Este, na verdade, é um modelo ultrapassado. As pesquisas recentes mostram que uma pessoa produz muito mais e é muito mais satisfeita quando o trabalho é uma parte da vida da pessoa. Nós temos família, amigos, lazer, hobbies, esportes, religião, voluntariado… Há tantas facetas da vida, mas parece que atualmente reduzimos nossa vida à subsistência, à trabalhar e descansar para continuar trabalhando. Teorias e estudos apontam que, quando uma pessoa vive uma vida equilibrada, melhor ela desempenha o papel de trabalhador, pois as experiências vividas nos outros papéis repercutem positivamente no trabalho. Com mães e pais há um adicional importante: ter filhos permite o desenvolvimento (ou potencialização) de soft skills. Além disso, pais e mães costumam ser mais comprometidos no trabalho e tomar decisões mais maduras do que homens e mulheres sem filhos. Em outras palavras, ter filhos deveria ser um diferencial positivo no currículo de um homem ou mulher. Por outro lado, é verdade que as mulheres se envolvem mais no cuidado e educação dos filhos do que os homens. Neste cenário, elas desenvolvem muito mais soft skills que eles. Isto é algo que vem mudando nas novas gerações, mas precisamos de mais mudanças: o homem precisa ser tão comprometido com a educação e cuidado dos filhos quanto a mulher. O mercado de trabalho do futuro terá absorvido essas mudanças.
Quais exemplos de políticas públicas poderiam ser estimuladas/reforçadas/criadas para as famílias?
Aqui no Family Talks sempre comentamos que o ambiente social precisa ser um indutor do desenvolvimento familiar. É preciso que haja condições para as famílias escolherem, sem preconceitos nem coações, o que acham que é o melhor para elas. Neste tema da maternidade e trabalho, acredito que é preciso um esforço das empresas para incentivarem maior envolvimento dos pais nas tarefas domésticas e de cuidado, além da maior acolhida de mães, especialmente as que voltam da licença maternidade. É preciso analisar cada caso e buscar adaptar as leis gerais para as situações singulares. Em termos públicos, precisamos de mais indicadores sobre paternidade e maternidade no Brasil. Isso já seria um bom começo.
Para participar da pesquisa de Letícia Barbano, basta acessar o QR code da imagem ao lado para preencher o formulário. A participação é exclusiva para mulheres que são mães e acabam de voltar da licença maternidade.
Ana Graciele Gonçalves
Assessoria de Comunicação CFA
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